A preservação e proteção da cultura quilombola no Cumbe
Localizada há 159 quilômetros de Fortaleza, fica a Comunidade Quilombola do Cumbe. Para chegar até o local é necessário ir pela única estrada asfaltada e estreita, cercada por inúmeros tanques de viveiros de camarão, atividades turísticas e dunas com um parque eólico de 67 torres.
A comunidade é predominantemente negra. O Cumbe preserva suas tradições e cultura quilombola atravessando gerações. A região é conhecida por suas práticas agrícolas, culinária típica, manifestações culturais e religiosas, como o Jongo e o Tambor de Crioula.
A luta pela titulação das terras quilombolas tem sido uma pauta bastante falada pelas lideranças da comunidade, que enfrentam desafios relacionados à preservação de seu modo de vida e da sua ancestralidade.
A comunidade também enfrenta diversos conflitos internos em função da instalação de usinas eólicas na região, segundo eles, sem as devidas consultas à população local.
Em 2007 a promessa de que o progresso e empregos seriam gerados com a chegada da usina de energia renovável sem grandes impactos para os moradores locais foi o assunto mais comentado na região, porém, segundo João do Cumbe, as promessas foram todas em vão.
Uma das situações mais delicadas que a comunidade passa, de acordo com seus moradores, é a falta de reconhecimento de suas ancestralidades, além de conflitos internos provocados para separar as pessoas.
"A eólica implantou na comunidade um conflito interno. O mesmo processo que o colonizador utilizou em 1500, quando chegou aqui, dividir para dominar, dividir para conquistar. É a mesma estratégia utilizada pelo agronegócio. Coopta, instala um conflito interno dentro da própria comunidade. Que tipo de conflito é esse? Por exemplo, de negar sua identidade, e aí eles começam a pegar algumas pessoas e dar um emprego. Entendeu? Pega o meu primo, o João é quilombola, e o primo do João não é quilombola, mas por quê? Ah, o primo do João trabalha de segurança na empresa eólica. Então, é o meu primo, quando eu vou para a praia, que está lá na portaria me vigiando. Me barrando, perguntando o que eu vou fazer na praia".
Além dos conflitos internos, João do Cumbe diz que a comunidade busca por legitimidade, pois não é ouvida e nem enxergada pelos órgãos competentes. "A gente busca essa legitimidade, entendeu? Então, o Cumbe é uma das comunidades mais pesquisadas do Ceará e, mesmo assim, não tem a devida atenção que merece", contou João.
Quando questionado sobre o que deseja para a comunidade, João diz acreditar em um futuro próspero. "Nós temos quatro pessoas no programa de proteção a pessoas ameaçadas de morte. Eu sou uma delas. E aí a gente tem que acreditar em um futuro. Mas sozinho o João não vai conseguir. Então, por isso que a gente mexe em vários elementos, trabalha turismo comunitário, museologia social, a festa do Mangue do Cumbe, o dia do Quilombo, a semana da Consciência Negra. E participamos também de vários grupos e contribuímos com várias pesquisas? A gente está construindo um arcabouço para que os que vierem após o João possam ter acesso a essas informações e fazer uma defesa qualificada, coisa que eu não tive. A nossa história é sempre contada na perspectiva do colonizador e não de quem foi colonizado. E aí, quando o João do Cumbe chega na Universidade Federal do Ceará (UFC) e vai escrever sua tese com o título 'Agora é a nossa vez de contar a nossa história: Quilombo do Cumbe, passado e presente' isso incomoda muita gente".
Ancestralidade
Ancestralidade tem uma origem que nos permite reconhecer e imortalizar uma herança que surge a qualquer instante e que continua viva em nossa existência em ações e discursos distintos. Ela nos faz perceber, sentir e pensar. É como se fosse uma força representativa de um conhecimento vivo que se reinventa. "Eu trago no meu nome o meu território, a minha ancestralidade, o meu pertencimento. Entendeu? Isso é forte", enfatizou João do Cumbe.
A ancestralidade é como se fosse o cheiro de mãe, é o pulsar do sangue em nossas veias que dita o ritmo do nosso coração, é a luta pela resistência e pertencimento, é a manifestação da vida. Há um provérbio africano que diz o seguinte: "Se você esquecer, não é proibido voltar atrás e reconstruir", assim vale para aqueles que podem e tem o poder de voltar atrás e reacender a chama de seus ancestrais, como faz o João do Cumbe que, através da resistência, luta por melhorias para os seus e reconhecimento da ancestralidade em cada morador da comunidade.
"A gente vem tentando fazer o que eu estou chamando de letramento quilombola. As pessoas precisam entender que a educação ainda precisa nos estudar. Sabe-se muito pouco sobre nós. Sem a universidade, não vamos conseguir mudar essa realidade. Requer um esforço coletivo de todas essas pessoas que acreditam que um outro mundo é possível e que a questão dos direitos humanos possa estar no centro de tudo", contou.
Sobre o futuro, João diz que espera que sua cultura continue viva, e que a questão territorial seja resolvida.
"Eu espero que o que eu estou construindo com os meus pares possa servir de subsídio para os que vierem depois de mim façam exatamente o que foi construído, o que foi pensado. Para dar continuidade também à cultura. Uma das nossas preocupações é a questão territorial. Eu não posso pensar em educação quilombola se eu não tenho território. Não posso pensar em saúde quilombola se ninguém tem território. Então eu digo que o território, a luta pelo território, ele é a mãe de todas as lutas", concluiu.