As joias de Quixeramobim

17:52 | 14 de Aug de 2024 Por Daniel Oiticica
As joias de Quixeramobim

Conhecer o Museu Oficina Antônio Rabelo conduzido pela  companheira do design de joias que dá nome ao espaço não muda a trajetória do casal de artistas, mas traz uma emoção e um olhar feminino sobre a arte e a vida da família de criadores.

Em um encontro de pouco mais de hora, Maria Lúcia Araújo conduziu jornalistas, fotógrafos, documentaristas e estudantes da Universidade Federal do Ceará (UFC), participantes da Caravana UFC 70 anos, pelas salas e dependências do imóvel e da área externa vizinhos à sua residência em Quixeramobim, cidade do Sertão Central do Ceará.

Orgulhosa e feliz por tudo que conquistaram, a mãe de David e Darwin se emocionou ao mostrar a foto dela, de vestido de noiva, segurando o marido no colo logo após o casamento e a de Antônio ao lado de uma bicicleta equipada para vender sanduíches pelas ruas de Fortaleza. 

“Essas fotos mostram como a mulher pode tanto quanto o homem, quando um cai o outro levanta… Quando o Antônio ficou desempregado, foi vender lanche… Mas não era justo um artista como ele deixar sua arte. Então, assumi o lugar dele (que voltou para Quixeramobim) e passei a vender muito mais. Conseguimos quitar a nossa casa. Mas o que mais me entristecia era deixar meu filho em casa para vender lanches… Foi um grande aprendizado para gente. Ensinou  a gente a ser humilde”,  disse com os olhos marejados, quase no fim do tour pelo primeiro Museu Orgânico no Sertão Central do Ceará, iniciativa do projeto Museus Orgânicos.

Museu Oficina Antônio Rabelo: Conduzido pela companheira do design de joias que dá nome ao espaço

O início do caminhar da família até o reconhecimento internacional e a presença em exposições nas principais capitais do país estão nas fotos impressas em azulejos fixados pelas paredes. O sucesso, o bom gosto e a qualidade do trabalho do casal estão materializados em objetos distribuídos por seis ambientes.

Na primeira encontram-se as jóias de Maria Lúcia e as de Antônio Rabelo. As peças assinadas por ela são crochês de fios de prata 1000 que são costurados ou retorcidos para compor formas geométricas, reproduzir detalhes da natureza, seja um pingente ninho de beija-flor e um colar algas de rio, ou reinterpretar peças da memória, como o tear usado pela mãe. Processo que muitas vezes provoca cortes na mão de designer e faz sangrar.

Ao lado, ocupando um espaço maior estão as criações exuberantes feitas de prata e espinhos de mandacaru e pedras semipreciosas.  As paredes da galeria exibem ainda fotografias do primeiro filho do casal. “Davi ficou em primeiro lugar no Prêmio Nikon”, diz com orgulho. O talento vem do avó (paterno) que também foi fotógrafo”, informa a mãe orgulhosa apontando para obra do primogênito e depois para câmera lambe-lambe que foi sogro.

O caçula, David, trabalha na oficina e cuida do financeiro da empresa. Sabe, por exemplo, que a maioria das peças produzidas pelo pai e pela mãe custa, aproximadamente, entre R$ 450  e R$ 3.500,  valores que estão na loja virtual da empresa.

Atrás e ao lado da sala que exibe a beleza das obras de Antônio Rabelo e Maria Lúcia Araújo, estão a oficina  que guardam o maquinário e ferramentas que produzem os fios de prata, lapidam os espinhos e as pedras e desenham a ferro e fogo as formas das joias. Os processos exigem tempo, muita habilidade e respeito ao meio ambiente.

As pedras chegam em estado bruto, são cortadas e são submetidas a uma série de rotina química e física até obter o brilho desejado e se unir à prata esculpida. Os fios do metal precioso passam por 37 orifícios até a espessura que seja maleável para o crochê e não se rompa. Os espinhos são retirados cirurgicamente para não afetar o mandacaru e permitir que outros sejam produzidos pelo mesmo exemplar.

Depois de colhidos, o material orgânico é lixado e tratado com produto químico para somente depois compor colares, anéis e brincos que vão ganhar vida em corpos de pessoas anônimas e de atores e cantores, como Criolo,  Tânia Alves, Maria Gabriela e Patrícia Pillar. Erika Januza usou um colar de Antônio Rabelo na novela O Outro Lado do Paraíso, no papel da juíza Rachel.

O museu guarda diplomas de prêmios reconhecendo o talento de Antônio Rabelo, como um dos Top 100 de Artesanato Nacional e objetos que representam fases da vida do artista antes de tornar-se designer de jóias. Uma máquina de escrever é um dos exemplares desmontados e montado por ele quando exerceu a função de técnico de manutenção de equipamentos de escritório. Um maçarico movido por engenho alimentado por água projetado e construído pelo joalheiro cearense.

A criatividade inventiva do companheiro de Maria Lúcia continua pelo espaço que reproduz uma mina de pedras semipreciosas, com exemplares iluminados como abajur, um pequeno lago com peixes e um poço. No futuro próximo, será finalizada a construção de duas salas subterrâneas onde Antônio Rabelo pretende deixar mais obras de seu legado.